quinta-feira, 30 de abril de 2009

Centro Afro Carioca de Cinema

Por Fernanda Felisberto*

Para alguns em nosso país a vida começa aos quarenta! Quebrando esta regra, o cineasta Zózimo Bubul inaugura, aos setenta anos, o Centro Afro Carioca de Cinema, bem no coração do Rio de Janeiro, a Lapa

O lançamento do espaço foi em grande estilo, com a realização do I Encontro do Cinema Negro BrasilÁfrica, com curadoria do próprio Zózimo Bubul. O evento aconteceu no Rio na semana de 22 a 28 de novembro e, depois, seguiu na semana seguinte para Salvador.

O I Encontro do Cinema Negro Brasil-África serviu também para fazer uma homenagem a Sembène Ousmane, cineasta, escritor e ativista senegalês, que faleceu aos oitenta e quatro anos, em junho de 2007, em Dakar, Senegal. O homenageado foi um dos pioneiros na produção cinematográfica africana, premiado duas vezes no Festival de Veneza e considerado o “pai do cinema africano”. O público pôde assistir sua última produção, Moolaadè, de 2005.

O evento foi marcado pela diversidade. Ao todo foram quarenta e três cineastas brasileiros selecionados, mais onze africanos. A curadoria dos filmes exibidos foi muito democrática, pois reuniu cineastas brasileiros já conhecidos do grande público, como Joel Zito Araújo, Jefferson D, Antonio Pilar, Ari Candido Antonio Pompeo, Clementino Jr., Jorge Coutinho, Waldir Onofre, Haroldo Costa, Antonio Pitanga, Lázaro Ramos, MV Bill, Rogério Moura, Zózimo Bubul, entre outros. Mas também foram selecionados trabalhos de Luciano Vidigal, integrante da ONG “Nós do Morro”, Ricardo Brasil, que é ator, rapper e dirigiu o curta “Chapa Quente”, além de Akins Kintê, Allan Rosa e Matheus Subverso, que são jovens paulistanos participantes do Sarau da Cooperifa, e muitos outros...

As mulheres deram um tom diferenciado ao evento, que pôde contar com a participação de nove cineastas brasileiras, de diferentes regiões do país. São elas: Lílian Santiago, que dirigiu o documentário “Família Alcântara”; Ilea Ferraz e Maria Alves, que também são atrizes; Carmem Luz, que dirige a Cia. Étnica de Dança; Dandara, que apresentou o “Gurufim na Mangueira”; Janaína Oliveira a rapper Re.fem (Revolta Feminina), que dirigiu o documentário “Rap de Saia”; Patrícia Freitas, de Salvador, além de Elaine Ramos, formada em Comunicação, cujo projeto de conclusão de curso foi um documentário sobre a vida de Tia Surica, da Portela.

A participação internacional cumpriu o objetivo do evento, pois aproximou os cineastas afro-brasileiros da produção cinematográfica contemporânea africana, tanto através do contato com as obras, como através da participação em um Seminário de reflexões, não só com os cineastas como com os interessados no tema. Promoveu-se ainda uma enriquecedora troca de experiência de diferentes gerações, com a exibição de obras pioneiras e contemporâneas. Os filmes, com temática diversificada, possibilitaram uma ampla visão do continente africano. Foram onze produções de África selecionadas, mas participaram como convidados Mansour Sora Wade, do Senegal, com o filme o “Preço do Perdão”, Olá Bologum, da Nigéria, com o filme “ A Deusa Negra”, Zezé Gamboa, de Angola, com o filme “O Herói”, e Newton Auduaka, da Nigéria, com “Ezra”.

Para o idealizador e curador do evento Zózimo Bulbul, a criação do Centro Afro Carioca de Cinema, com Bizza Viana, é um sonho antigo, um espaço especialmente destinado a exibir filmes de diretores africanos, afro-brasileiros e afro-descendentes, e os seus próprios filmes também. Zózimo é um importante ícone do cinema negro brasileiro, com destacada participação no Cinema Novo, nas décadas de 60 e 70, quando atuou em filmes como “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, “Compasso de Espera”, de Antunes Filho, e recentemente participou de “Filhas do Vento” de Joel Zito Araújo. Entre outros trabalhos, Zózimo dirigiu “Samba no Trem” e “Alma no Olho”.

Em 1997, Zózimo participou do FESPACO, um festival de cinema e televisão Pan Africano, realizado a cada dois anos em Burkina Faso, e considerado o maior festival cinematográfico do continente. O cineasta confessa que, na ocasião, levou um grande susto, pois foi levado para um estádio de futebol, com cerca de trinta e cinco mil pessoas, para ver cinema! E foi motivado por este espírito de popularização do cinema que o Centro Afro Carioca de Cinema também foi criado. Para seu idealizador, aos setenta anos, o que se materializa agora é, antes de tudo, um lugar de resistência, uma vez que pretende manter uma grade permanente para exibição de filmes, além de um espaço de encontros e reflexões sobre a arte de fazer cinema.

Aos cariocas, o convite para visitar o espaço já está feito e, aos cinéfilos de outros espaços, também, é só chegar! O cinema negro, brasileiro e internacional, agora tem uma casa permanente no Rio de Janeiro. Segundo Zózimo, o I Encontro não pára por aí, ano quem vem tem mais, e com convidados da América Latina, quem sabe....

Serviço:

Centro Afro Carioca de Cinema
http://www.afrocariocadecinema.com.br/
Endereço: Rua Joaquim Silva, n. 40, Lapa, RJ.

Festival FESPACO
http://www.fespaco.bf/

*Fernanda Felisberto, Pesquisadora na área de literatura afro-brasileira e professora da pós-graduação em História da África e do Negro no Brasil da Universidade Cândido Mendes. fernanda@irohin.org.br

Fonte: http://www.irohin.org.br/imp/template.php?edition=21&id=153
Acesso em: 28/04/2009