sábado, 24 de setembro de 2011

A margem da imagem - entrevista com Renato Candido, diretor de Jennifer

Primeiro filme do cineasta Renato Cândido de Lima, o curta-metragem Jennifer discute a maneira de como os negros e mestiços se enxergam pelo prisma de uma sociedade branca e preconceituosa e o que é possível para eles na rígida mobilidade social brasileira.                                                     
Por Amilton Pinheiro.        

O diretor e estudante de pós-graduação em Cinema pela Escola de Comunicação e Arte (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), Renato Cândido de Lima nasceu e viveu durante anos no bairro Nova Cachoeirinha, na periferia São Paulo. Filho de um operário eletricista aposentado e mãe pintora, ele viu de perto as transformações pelas quais o bairro passou. "O lugar mudou muito e hoje é uma periferia consolidada", diz. E foi na Cachoeirinha que se transmutava que o diretor teve os primeiros insights da história que viria a ser o curtametragem Jennifer (com duração de quase 30 minutos, o dobro de tempo de um curta normal).

O argumento para Jennifer nasceu de duas situações e dois tempos distintos: uma das vizinhas de Renato, cuja mãe era cabeleireira, vivia às turras com o seu cabelo crespo. "Era interessante como o lance do cabelo dela dizia muito de um conceito de beleza ligada aos brancos, como norma mesmo." A outra inspiração surgiu anos depois durante a graduação em Cinema na ECA/USP do jovem diretor. Renato foi fazer um curso de interpretação teatral e conheceu a jovem aspirante a atriz Juliana Valente - mestiça que tinha dificuldade de relacionamento com alguns alunos, de maioria branca. "Eu ficava observando Juliana e vendo como os outros a enxergavam. E foi por meio dessas duas situações que escrevi o roteiro de Jennifer, pensando na Juliana para fazer o papel dessa garota insegura com a sua aparência e com o mundo que vai descortinando a sua volta, como a necessidade do primeiro emprego", lembra Renato.

Roteiro embasado
Com uma boa formação acadêmica, o primeiro filme de Renato Cândido é bastante fundamentado em suas leituras no curso de graduação de cinema. Uma delas foi do sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995), que foi professor da Universidade de São Paulo e um dos intelectuais brasileiros mais respeitados. "Florestan Fernandes coloca que a condição para ser humano é uma condição branca. Isso é colocado na introdução do livro Negro no Mundo dos Brancos. É interessante como a gente - negro e mestiço - negocia ser branco e ser negro. A gente quer ser branco para ser possível em alguns lugares ou a gente negocia ser negro numa chave do exótico para ser possível também", argumenta Renato. Outra fonte para o roteiro de Jennifer veio do psiquiatra e escritor da Martinica, Frantz Fanon (1925-1961), um dos importantes estudiosos da sociedade diáspora e pós-coloniais, que escreveu dois livros seminais: Os Condenados da Terra e Pele Negra, Máscaras Brancas, originalmente a sua tese de doutorado, verdadeiros manifestos anticolonialistas. Frantz Fanon participou da Frente de Libertação Nacional pela independência da Argélia e foi um dos principais críticos da colonização e descolonização mental a que estavam sujeitos as populações de países subdesenvolvidos.

Uma discussão da mestiçagem
O curta-metragem gira em torno da história de uma garota de 17 anos - interpretada pela atriz Juliana Valente, em seu primeiro trabalho. Jennifer mora no bairro Nova Cachoeirinha, tem mãe cabeleireira e vive conflitos com a sua aparência (principalmente em relação ao seu cabelo crespo) e com as inseguranças típicas da adolescência. Sua melhor amiga é Tamires (Gabriela Balmant), jovem bem mais resolvida e segura. O curta-metragem, mesmo com seus quase 30 minutos de duração, não consegue desenvolver bem todas as subtramas da história, como a primeira paquera de Jennifer, a busca do primeiro emprego e, principalmente, a descoberta da história dos seus descendentes, o que a faz se aceitar melhor. Mas, por ser o primeiro trabalho de Renato Cândido, os méritos do filme são muitos: roteiro bem estruturado, câmera que enquadra bem as cenas e, o mais importante, uma eficiente direção de atores (um dos pontos mais problemáticos dos filmes de curta-metragem).

Renato soube escolher muito bem seus atores. Além de Juliana Valente e Gabriela Balmant, destaque para os atores Sidney Santiago (Os Doze Trabalhos) e André Luís Patrício (Amor em Quatro Atos, da Globo), que fazem pequenas participações. André faz o gerente do supermercado onde Jennifer vai procurar seu primeiro emprego. "Fiz tantos bandidos na minha carreira e fazer agora um personagem fora da cena marginal, apesar de uma participação pequena, foi desafiante. Minha preocupação era que tom iria deixar para o personagem, que não era um ´mano`. Ele tem muitas nuances e eu queria imprimir isso na minha composição, não sei se consegui", relata o ator.
Para o diretor Renato Cândido a satisfação com este primeiro trabalho é enorme, principalmente com a recepção que Jennifer tem nos lugares em que é exibido. "Apesar da insegurança que um primeiro filme traz para qualquer diretor, me senti muito à vontade durante as filmagens. Espero que isso tenha ficado impresso no filme."
Cenas do curta-metragem

Pai negro, mãe branca
Juliana Valente, protagonista do curtametragem, não é uma negra de pele retinta - tem pai negro e mãe branca, e muita similaridade com a história da Jennifer. Moradora do Jaguaré, na capital paulista, e estudante de Artes Cênicas na Universidade de São Paulo, a atriz confessa que se sentiu muito à vontade durante as filmagens. "A história tem muita similaridade com a minha história e a de muitas adolescentes que moram na periferia de São Paulo. Eu já tive dificuldade de aceitar meu cabelo crespo e tentei alisá-lo, ter um nariz mais fino e todos esses conflitos que nós, garotas mestiças, estamos sujeitas." Mas, por que não uma garota negra (de fato) para o papel de Jennifer? O questionamento foi feito ao diretor por alguns amigos. Renato se defende com o seguinte argumento: "Acho pernicioso trazer uma menina de pele mais preta trabalhando com a questão de identidade. A mestiçagem não é arrefecimento das tensões raciais, pelo contrário. E é isso que eu quis colocar em Jennifer. Ela, a personagem, é filha dessa mestiçagem. Geralmente o mestiço tenta negociar a sua aceitação numa sociedade branca."

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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Mumblecore - a estética do faça você mesmo

Um grande panorama do novo cinema independente americano pode ser conferido na mostra “Mumblecore, a Estética do Faça Você Mesmo”. Mumblecore é um movimento de cinema independente que surgiu em 2002 durante uma conversa entre amigos, no intervalo das exibições de um festival de cinema independente. Joe Swanberg, Aaron Katz, Andrew Bujalski, Mark e Jay Duplass foram os primeiros cineastas a ganharem visibilidade, dentro e fora dos Estados Unidos, com seus primeiros filmes com o selo Mumblecore.



O movimento é caracterizado por seu baixo orçamento, roteiros e cenas improvisadas, atores não profissionais e temas geralmente em torno de relacionamentos amorosos entre jovens.

Baseados em movimentos anteriores, como o D.I.Y. (Do It Yourself), Dogma 95, cinema digital e o movimento independente americano, tendo John Cassavetes e, posteriormente, Richard Linklater como grandes influências, o Mumblecore chamou a atenção para uma discussão maior: o barateamento da produção cinematográfica com a chegada da tecnologia digital e como isso se reflete tanto no mercado cinematográfico como no modo de se fazer cinema.

Quilombocine recomenda:

REMÉDIO PARA A MELANCOLIA (Medicine for Melancholy, EUA, 2008, 88 min, digital). Dir.: Barry Jenkins. Com Wyatt Cenac, Tracey Heggins, Elizabeth Acker e outros. A cidade de São Francisco, EUA, é o cenário para esta história de amor entre dois jovens afro-americanos que convivem com o desafio de serem parte de uma minoria em uma cidade hostil. Um dos raros filmes Mumblecore com personagens não-brancos.


CLIMA FRIO (Cold Weather, EUA, 2010, 97 min, digital). Dir.: Aaron Katz. Com Cris Lankenau, Trieste Kelly Dunn, Raúl Castillo e outros. Doug acabou de voltar para sua cidade natal, Portland, em Oregon (EUA), para morar com a irmã. Quando sua ex-namorada aparece inesperadamente na cidade, sumindo logo em seguida, Doug, Gail e Carlos, o novo amigo dos dois, assumem papéis de detetives, ou, como eles mesmo afirmam, “Sherlock Holmes” da vida real. Para além do toque de mistério, o filme é uma bela e espontânea história de amizade e camaradagem familiar.


Pesquisa e postagem: Oubí Inaê Kibuko para Quilombocine.